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A variabilidade no fabrico de rações, um fator a considerar na eficiência das engordas

Analisamos o impacto que a variabilidade dos ingredientes da ração tem sobre o consumo e o crescimento nas carnes magras dos porcos de engorda.

As fábricas de ração com produções elevadas utilizam a tecnologia NIRS (near-infrared spectophotometry) tanto para o controlo de qualidade das matérias primas como para atualizar diária ou semanalmente a formulação. Por outro lado, as fábricas com produções médias e baixas, algumas com tecnologia NIRS e que são a maioria em Espanha, costumam rever a formulação com uma frequência mensal ou trimestral. A discrepância entre os valores de energia e nutrientes utilizados nas matrizes de formulação, e os valores reais dos ingredientes que finalmente constituem as rações, podem provocar erros sistemáticos no fabrico afetando a produção e/ou os custos de fabrico (seja por défice ou por excesso).

 

Estudo teórico do efeito da variabilidade das matérias primas

Objetivo

Há pouco tempo, no nosso grupo estudámos a variabilidade dos ingredientes com o objetivo de descrever essa variabilidade e avaliar o possível efeito sobre o desempenho produtivo dos porcos em crescimento e engorda. Concretamente, através do estudo da variabilidade do teor em energia metabolizável (EM) e a sua relação com o consumo de ração; e o teor em lisina e a sua relação com a produção de carne magra.

 

Material e métodos

Estudou-se um caso numa exploração de engorda de 700 porcos, onde o rendimento produtivo dos animais foi simulado com base na modelização do crescimento previamente estudado in vivo, em duas situações:

  1. A composição das rações é correta e ajustada à especificação da fórmula (Ração-Ajustada).
  2. As rações fabricadas são sensíveis a alterações de composição devido à variabilidade dos ingredientes não corrigidos (Ração-Não-Ajustada).

Para questionar essas abordagens formulou-se uma única dieta para o período de engorda de 30-105kg (30% trigo, 22,3% milho, 20,8% cevada, 10% sêmea de trigo, 6,6% farinha de soja (47% PB), 6% farinha  de colza (-00-) e micro ingredientes; 3175 kcal/kg, 15% PB e 0,9% lisina). Recolheram-se amostras de todos os ingredientes de diferentes lotes a nível da fábrica durante 5 meses e previu-se a composição química das amostras por NIRS para calcular a EM e a lisina. Finalmente calculou-se a  variabilidade mediante o coeficiente de variação (CV).

Calculou-se que se consumiriam 15 lotes de ração durante o período 30-105 kg considerando o número de porcos, o tamanho do silo, as necessidades energéticas (NRC, 2012) e o teor energético da dieta. Para produzir os 15 lotes de Ração-Não-Ajustada selecionaram-se 15 amostras de todos os ingredientes, cerca de 40% das quais pelo seu mínimo teor em EM e lisina.

Por último realizou-se a simulação nas duas situações previamente descritas e considerando as necessidades nutricionais (energia e lisina) em função do peso vivo durante o período estudado e utilizando as equações de deposição proteica da bibliografia.

 

Resultados

A tabela 1 mostra a variabilidade da composição química dos ingredientes utilizados, que foi máxima para a proteína bruta e para a fibra bruta.

Tabela 1. Análise descritiva da composição química dos ingredientes.

Nutriente   Cereais F. Soja B. Colza S. Trigo
Proteína bruta Média 7,5 - 11,3 46,2 34,5 14,6
% CV % 2,7 - 8,2 2,5 2,5 4,6
Fibra bruta Média 2,0 - 3,7 4,7 12,4 8,9
% CV % 3,4 - 10,8 13,0 3,7 8,7
Energia Met. Média 3070 - 3370 3160 2600 2510
kcal CV % 0,9 - 1,3 1,3 2,1 6,0
Lisina Média 0.22 - 0,37 2,83 1,92 0,59
% CV % 2,7 - 3,8 2,14 2,45 4,26

 

Verificou-se um aumento no consumo de ração de 2,5 kg por porco no caso da situação Ração-Não-Ajustada, em comparação com a Ração-Ajustada que, exemplificando a um preço de 270 €/Tm, representa 0,67 € por porco.

Consumo médio diário de ração (CMD), em duas situações diferentes

Figura 1. Consumo médio diário de ração (CMD), em duas situações diferentes: a composição das rações ajusta-se à especificação (Ração-Ajustada) e quando esta é sensível às alterações de composição devido à variabilidade dos ingredientes não corrigidos (Ração-Não-Ajustada).

Nessa linha, um erro fixo continuado, como poderia ser um erro de dosificação no fabrico da ração ou um desfasamento grave entre a matriz de formulação e o teor energético dos ingredientes principais, aumentaria o risco de se verificarem alterações drásticas no consumo. Por exemplo, um erro médio de apenas 2,2% (70 kcal/kg) durante o período de engorda estudado, supõe um aumento de consumo até 5 kg a mais por porco.

Quando se estuda o possível efeito sobre a produção de carne magra, considerando a variabilidade da lisina consumida (g lys SID/d) e mantendo o mesmo sistema de comparação entre a situação Ração-Ajustada e Não-Ajustada na base da deposição proteica (g DP/d), verifica-se que a deposição se ajusta à esperada quando o teor em lisina da dieta é o teórico e determinado na formulação (0,9% lisina), e que diminui acentuadamente com os lotes subótimos (figura 2). Os porcos alimentados na situação Ração-Não-Ajustada terminariam com 557 g de deposição proteica abaixo dos alimentados com Ração-Ajustada no mesmo período de engorda (entre 30 e 105 kg), o que significa cerca de 1500 a 2060 g de produção de carne magra neta (dependendo do sexo e genética). Além disso, as consequências sobre o aumento de peso, ainda que difíceis de prever, seriam maiores devido ao desfasamento na relação ideal de aminoácidos essenciais relativamente à lisina e ao rácio lisina/energia que iria afetar o aumento de peso total e não unicamente a carne magra.

Consumo médio diário de ração (CMD), em duas situações diferentes

Figura 2. Deposição proteica (DP) em duas situações diferentes: a composição das rações ajusta-se à especificação (Ração-Ajustada) e quando esta é sensível às alterações de composição devido à variabilidade dos ingredientes não corrigidos (Ração-Não-Ajustada).

Outra situação diferente, também criada pela variabilidade das matérias primas seria o excesso de nutriente, que implicaria um custo por desperdício de lisina além do custo da energia de remover o exceso de amoníaco na forma de ureia urinária. Algo semelhante poderia acontecer com a proteína bruta, visto que se verificou ser muito variável (especialmente para os cereais). Portanto, seria interessante saber as probabilidades de produzir rações com diferentes níveis críticos, acima ou abaixo, em energia e nutrientes para avaliar o impacto geral da variabilidade nutricional gerada pelas matérias primas sobre os custos de produção de rações e desempenho dos animais.

As estratégias que integram a tecnologia NIRS resultam num grande valor para melhorar a eficiência da produção de rações, que por sua vez se repercutem numa melhor eficiência da produção animal, uma vez que uma parte importante do sector e das rações produzidas não consideram, suficientemente, a variabilidade dos ingredientes. A integração da tecnologia NIRS num sistema baseado em "árvores de decisão" que permita discriminar de que maneira os ingredientes recebidos com níveis críticos de energia e/ou determinados nutrientes, se combinam entre eles na dieta, ajudará a minimizar em tempo real os efeitos negativos ou subótimos da composição da ração a nível da exploração.

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