Um dos principais objectivos do acordo é eliminar quase 90% das tarifas entre as duas partes, de forma progressiva ao longo de um período de 10 anos, com algumas excepções que se estenderão por até 15 anos. Vale a pena esclarecer que, apesar de já estar assinado, o acordo ainda está sujeito ao processo de ratificação por parte das instituições europeias e dos parlamentos nacionais dos Estados-Membros, pelo que este processo poderá prolongar-se por vários meses e até anos.
O acordo terá efeitos importantes sobre a carne de porco e, como era de se esperar, gerou opiniões divididas entre os representantes do setor suinícola de ambas as regiões, pois enquanto alguns o veem como uma oportunidade, outros consideram-no um risco devido aos desequilíbrios normativos e económicos.

Contexto actual do comércio internacional de carne de porco para as partes
Antes de analisarmos os efeitos do acordo no nosso sector, é necessário contextualizar a actualidade do comércio de carne de porco em ambos os blocos. Para isso, apresentamos a seguir uma breve análise sobre os volumes e o fluxo do comércio internacional para as duas partes.
União Europeia
A UE destaca-se por ser o principal exportador mundial de carne de porco, seguida pelos E.U.A. e pelo Brasil, com um total de 4,35 milhões de toneladas de produtos suínos exportados em 2024. Nesse sentido, os seus principais destinos no último ano foram a China e o Reino Unido, enquanto o MERCOSUL representou apenas 0,17% do total geral (Gráfico 1).

No que diz respeito às exportações para os países do MERCOSUL, os principais destinos foram o Uruguai (3453 t, 47 % do total exportado para o MERCOSUL) e o Brasil (2979 t, 41 %), e, em menor escala, a Argentina (861 t, 12 %) e o Paraguai (17 t, 0,2 %). Os produtos que a UE fornece ao MERCOSUL são geralmente de valor acrescentado, como os salgados e fumados, embora também haja remessas importantes de gordura de porco (Gráfico 2).

No que diz respeito às importações de suínos, trata-se de um valor residual, uma vez que, em 2024, a UE importou 160 947 t, na sua maioria provenientes do Reino Unido (67 %). Do total, as provenientes dos países que compõem o MERCOSUL representaram apenas 25 t, o equivalente a 0,02 % do total das importações de suínos da UE. Destaca-se o peso do Brasil, que, do total das exportações do MERCOSUL para a UE, representou 64 %, com 16 t.
MERCOSUL
Embora o MERCOSUL se refira a um bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, é importante mencionar as diferenças marcantes entre um país e outro, uma vez que as vantagens e desvantagens do acordo podem impactar de forma diferente cada país membro. A seguir, apresentamos uma breve caracterização do comércio internacional de carne de porco para cada país:
- Brasil, comumente conhecido como o gigante latino-americano, é o quarto maior exportador mundial de carne de porco. Em 2024, bateu um recorde com exportações de carne de porco, que ultrapassaram 1,3 milhões de toneladas, das quais 30% foram enviadas para a China. Actualmente, o Brasil tem mais de 89 países habilitados para o envio de sua carne de porco, sendo que 90% de suas exportações correspondem a cortes de porco. Quanto aos envios para a UE, estes representam apenas 1% do total geral, enquanto as importações da UE também são mínimas e correspondem a remessas de produtos salgados e fumados.
- Argentina, é um país com grande potencial. De facto, nos últimos anos, passou por uma mudança de políticas que se reflectiu no ambiente macroeconómico, entre as quais se destacam uma redução significativa da inflacção e do défice fiscal, bem como a eliminação de barreiras ao comércio internacional. No que diz respeito à suinicultura, temos que, em 2024, a produção de carne de porco cresceu a uma taxa de 3 % e atingiu 785 000 toneladas, enquanto as importações registraram um crescimento interanual de 38 % no último ano, com 22 000 t, das quais 95 % vieram do Brasil e os 5 % restantes de países como Chile e Paraguai. Em relação às exportações de suínos, no último ano, houve um aumento de 30 %, atingindo quase 30 000 t. Actualmente, a Argentina conta com 41 destinos de exportação habilitados para suas exportações de carne de porco.

- Paraguai caracteriza-se pela sua grande vocação exportadora, apesar de ser um país muito pequeno em termos geográficos. Em 2024, exportou mais de 15 000 toneladas de carne de porco, sendo Taiwan o seu principal parceiro comercial, com 64 % das exportações suínas. Além disso, tem uma forte dinâmica no comércio intrarregional do MERCOSUL, pois 17 % das suas exportações no último ano foram para o Uruguai, 12 % para o Brasil e 4 % para a Argentina. Os produtos mais exportados correspondem às remessas de carne congelada (72 %) e tripas (17 %).
- O consumo interno do Uruguai é composto em 80% por carne de porco importada. Os seus principais fornecedores de carne congelada são precisamente os países do MERCOSUL, Brasil (96%) e Paraguai (2%), enquanto as importações de gordura provêm principalmente da Espanha (36%), Chile (19%) e Paraguai (18%).
Desafios e oportunidades do acordo, percepção das partes
O potencial desta negociação para o sector suinícola é enorme. Além de transformar e aumentar significativamente o comércio suinícola entre ambas as regiões, tem a capacidade de gerar intercâmbios importantes em temas como transferência de tecnologia, bem-estar animal e sustentabilidade, especialmente da UE para o MERCOSUL, atraindo também grandes investimentos.
Por outro lado, a UE poderia beneficiar-se ao aumentar a sua quota de mercado na América Latina e aceder a matérias-primas a um custo relativamente baixo, uma vez que o Brasil e a Argentina são dois dos principais produtores mundiais de milho e soja.
Vamos agora analisar um pouco mais a fundo os possíveis efeitos para as partes.
União Europeia
Dentro da UE, os efeitos do acordo serão diferentes para cada Estado-Membro, uma vez que dependerão de factores como a estrutura da sua produção, a sua orientação para a exportação e a sua dependência de matérias-primas.

De forma global, a abertura deste novo mercado pode não representar uma mudança significativa em termos de volume exportado, uma vez que, como mencionado anteriormente, o MERCOSUL conta com uma produção suína robusta e um comércio intrarregional consolidado. Onde pode haver oportunidades de crescimento é na exportação de produtos de alto valor acrescentado. A carne processada, os enchidos curados e outros derivados do porco europeus são reconhecidos globalmente pela sua qualidade e tradição. Até agora, as exportações desses produtos para a MERCOSUL têm sido limitadas devido às altas tarifas e barreiras comerciais. Com o acordo, a redução ou eliminação dessas tarifas poderia facilitar o acesso aos consumidores da MERCOSUL, especialmente em mercados premium e sectores de alto poder aquisitivo, que buscam produtos diferenciados em sabor, qualidade e certificações sanitárias.
Não obstante, esta abertura também acarreta riscos para os produtores europeus. O MERCOSUL é uma região altamente competitiva em termos de custos de produção, devido a factores como acesso a matérias-primas mais baratas (principalmente soja e milho para ração animal), menos regulamentações ambientais e de bem-estar animal e menor custo de mão de obra. Isso gera preocupações no sector suinícola europeu, que já opera sob padrões regulatórios rigorosos e enfrenta desafios de rentabilidade.
Nesse sentido, embora o acordo mantenha intactos os elevados padrões sanitários, de bem-estar e de sustentabilidade da UE, ele poderia gerar uma concorrência desigual entre os produtores europeus e os do MERCOSUL devido às diferenças estruturais nos custos de produção e nas regulamentações internas. A aplicação de cláusulas de salvaguarda, o reforço dos controlos de conformidade com as normas sanitárias e de sustentabilidade, bem como a implementação de certificações alinhadas com os padrões europeus, serão aspectos fundamentais para evitar um impacto negativo na suinicultura da UE.
Outro aspecto a considerar é o fornecimento de matérias-primas. A soja, principal produto agrícola que a UE importa do MERCOSUL, juntamente com os seus derivados (bagaço e óleo de soja), já entra no mercado europeu com tarifas nulas ou muito baixas no caso dos derivados. No entanto, dada a elevada dependência da UE destas importações, o acordo poderia beneficiar a pecuária europeia, garantindo um abastecimento mais estável para a sua utilização na produção de alimentos.
MERCOSUL
Embora o MERCOSUL funcione teoricamente como um bloco económico, ao analisar as particularidades do mercado suíno de cada país membro, encontramos características muito diferentes entre eles. Desde o grande volume e variedade de destinos de exportação do Brasil, o grande potencial e estrutura da Argentina, a vocação exportadora do Paraguai, até a dependência das importações para satisfazer a sua procura por parte do Uruguai. Neste sentido, os efeitos e benefícios do tratado com a UE serão muito diferentes para cada país.
Além disso, o comércio intrarregional no MERCOSUL é muito dinâmico no que diz respeito à suinicultura, como vimos anteriormente. Esta característica poderia limitar, em certa medida, a entrada de carne de porco da UE, uma vez que o MERCOSUL conta com uma oferta intrarregional robusta e competitiva, bem como uma procura satisfeita. No entanto, a UE poderia aumentar as suas exportações de produtos processados, como os salgados e fumados, cujo acesso é actualmente limitado devido aos altos custos, restringindo o seu consumo a um grupo selecto de consumidores. A entrada desses produtos isentos de tarifas contribuiria para diversificar a oferta gastronómica numa cultura que, embora muito tradicional, busca novas opções alimentares.
Por outro lado, as oportunidades do MERCOSUL para entrar com carne e subprodutos suínos na UE poderiam estimular a expansão da suinicultura e o crescimento da produção local destinada exclusivamente a atender esse novo parceiro comercial. No entanto, apesar de, em teoria, o produto do MERCOSUL ser mais competitivo tendo em conta a relação preço-custo, existem barreiras não tarifárias que limitariam em grande medida o acesso a este mercado. Entre essas barreiras encontram-se as regulamentações rigorosas em questões cruciais como bem-estar animal, sustentabilidade, rotulagem e biossegurança. Actualmente, mesmo os grandes produtores dos países do MERCOSUL estão, até agora, a dar os primeiros passos para se adaptar ao cumprimento dessas normas.
Diante disso, surge a pergunta: basta que os produtores do MERCOSUL adaptem suas explorações e produções suinícolas às altas exigências da União Europeia, motivados principalmente pelo acesso ao seu mercado? Ou são necessários acordos e regulamentações de ordem jurídica e de nível nacional para cumprir as normas e harmonizar as exigências para ambas as partes? Esta é uma grande questão que se coloca do ponto de vista do desequilíbrio em que nos encontraríamos, tendo em conta as exigências rigorosas para os produtores europeus, em comparação com a regulamentação em vigor nos países do MERCOSUL.
Uma das possíveis consequências futuras da implementação deste acordo no MERCOSUL poderia ser a transformação do sector suinícola na região, impulsionada pelas regulamentações avançadas da União Europeia. Essas regulamentações poderiam contribuir indirectamente para remodelar o modelo de produção suinícola, bem como para a adopção de inovações tecnológicas, melhorias genéticas, práticas sustentáveis e outros aspectos em que a UE é superior e em que os países do MERCOSUL ainda têm muito a aprender. Graças a este acordo, poderiam ser desenvolvidos projectos conjuntos que permitissem a transferência de conhecimentos, resultando no desenvolvimento do sector.
Tabela 1. Paralelo dos desafios, riscos, oportunidades do comércio suíno entre a União Europeia e a MERCOSUL, derivados do acordo
UNIÃO EUROPEIA |
MERCOSUL |
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OPORTUNIDADES |
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DESAFIOS E RISCOS |
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CENÁRIOS FUTUROS |
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Fonte: 333