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Caso clínico: Problema de metrites

Aos problemas de metrites, devidos em parte à falta de higiene que provoca um aumento das infecções (E. coli), soma-se um problema de infertilidade devido a uma contaminação do sémen por um gérmen resistente à gentamicina, Burkholderia cepacia.

Descrição da Exploração





Trata-se de uma exploração de 500 porcas com engorda parcial localizada numa zona de elevada densidade suína de França.
O maneio realiza-se em 20 bandas e desmama-se aos 21 dias de vida.
As primíparas de substituição adquirem-se fora da exploração a cada 6 semanas.
As porcas são inseminadas com doses de sémen preparadas na própria exploração, que conta com 5 varrascos.
As porcas alimentam-se com sopa e todo o alimento é comprado fora.





Estatuto sanitário da exploração

Doença
Estatuto
Comentários
Aujeszky
Negativo
PRRS
Positivo
Serologias positivas no final do período de engorda. Porcas vacinadas com vacina viva banda a banda.
Micoplasma
Positivo
Leitões vacinados e controlo serológico positivo no final da engorda.

Conclusão: estatuto respiratório bem controlado e poucos problemas reprodutivos.

Plano profilático (vacinação)

Primíparas - PRRS: vacina viva, 1 injecção
- Rinite: 2 injecções
- Parvovirose + Mal rubro:2 injecções
- PCV2 : 2 injecções
Porcas - Rappel Parvovirose + Mal rubro na maternidade
- Rappel Rinite, PCV2 e PRRS ao final de gestação
Varrascos - Quarentena: Parvovirose + Mal rubro, 2 injecções
- Rappel: Parvovirose + Mal rubro cada 6 semanas
Leitões - Mycoplasma mono-dose ao desmame




Aparecimento do Caso




Após o aparecimento de problemas reprodutivos: retornos e porcas vazias no momento de realizar a ecografia, com descargas purulentas, o suinicultor entra em contacto com o veterinário.
Nas ecografias realizadas nas últimas duas bandas os resultados foram os seguintes: 70 e 72% de porcas (e primíparas) gestantes.


Exame dos resultados técnicos mediante o GTTT (modelo de gestão técnica utilizado em França).

Último trimestre
NT 14,5
NV 13,5
NM 1 (mumificados não contabilizados)
Desmamados 11,6 (14% de perdas sobre os NV)
% fertilidade à primeira cobrição 91%


Exame dos resultados das duas últimas bandas às quais se realizou ecografia:

Banda ecografada há 15 dias : 24 porcas desmamadas e 4 primíparas:
  • Sem problemas de entrada em estro,
  • Nada a assinalar durante a IA (IA pós-cervical salvo nas primíparas),
  • 4 porcas desmamadas com repetições e descargas purulentas no momento do retorno, 2 primíparas também com retorno e 1 com descarga, 2 porcas desmamadas vazias.
  • Total : 71% de fertilidade
Banda ecografada há 7 dias: 23 porcas desmamadas e 4 primíparas:
  • sem problemas de entrada em estro e sem sinais de alerta durante a IA.
  • 3 porcas desmamadas com retorno e apresentando descargas, 1 primípara com retorno e 4 porcas desmamadas vazias.
Análise das repetições e das porcas vazias em função do número de parto:
Porcas desmamadas: total 13 retornos ou vazias => primíparas: 6 ; segundo parto: 3 ; quinto parto: 2 ; parto superior ou igual a 6: 2.
Análise dos retornos e das porcas vazias em função do momento da IA. Plano de IA:
Primíparas Reflejo imobilidade
Imobilidade+ 12 h
Imobilidade+ 24 h (e + se é necessário)
Porcas (desmame 4ª feira pela manhã) Imobilidade domingo (1 detecção)
IA 2ª feira mannhã
IA 2ª feira tarde
IA 3ª feira tarde
Imobilidade 2ª ou 3ª feira (2 detecções por dia)
IA Imobilidade+ 12 h
IA Imobilidade+ 24 h
IA Imobilidade+ 36 h
Imobilidade 4ª feira e depois de 4ª feira
IA Imobilidade
IA Imobilidade+ 12 h
IA Imobilidade+ 24h

Às vezes, algumas porcas são inseminadas até 4 vezes.

A nível de repetições, estas repartem-se em todos os momentos de entrada no estro mas com uma tendência para as porcas que entram precocemente (2ª feira).

Visita à Exploração





A visita à exploração centra-se na reprodução.

Maternidade: sala de partos + 3 a 4 dias
  • O responsável pela maternidade comenta que a situação é habitual.
  • 4 a 5 porcas por banda são tratadas por hipertermia (> 40°C): amoxicilina de acção prolongada 2 vezes em 48 h + anti-inflamatório 2 vezes em 48 h.
  • 1 a 2 porcas tratadas por descargas: enema 24 h após o parto + prostaglandina 36 h após o parto.
  • Durante a visita não se observou nenhum factor de risco, nem mudança na alimentação, nem no maneio higio-sanitário (lavagem e desinfecção).
Cobrição: porcas em vias de ser inseminadas (visita na 2ª feira)

Pavilhão de cobrição gestantes com IA no mesmo lugar sem deslocações posteriores. As primíparas procedentes da quarentena alojam-se numa parte da sala e são tratadas con alternogest e posteriormente deslocadas para a sua banda para a IA.

Maneio higiénico da sala (porcas bloqueadas):
  • Sem lavagem sistemática dos lugares a cada mudança de banda, salvo no verão (visita realizada na primavera).
  • Aspecto sujo da parte posterior das jaulas se bem que se raspe e esfregue a parte posterior.

    Exame dos animais:

  • Bom estado dos animais na IA (primíparas e porcas).
  • As primíparas entram bem em estro sem a utilização de uma mistura de gonadotropinas (prática utilizada anos antes).
Vulvas sujas (sem lavagem das porcas após o desmame) sem descargas visíveis.

Exame da técnica de IA (IA pós-cervical):

  • Doses não aquecidas (blisters).
  • Sondas embaladas individualmente com o catéter.
  • As vulvas limpam-se com papel se bem que a limpeza não resulte muito boa (a vulva ainda um pouco suja).
  • A extremidade da embalagem fica em contacto com a vulva.
  • A inseminação realiza-se de forma correcta, sem maus tratos.
  • A ter em conta o pouco tempo destinado à verificação da boa entrada no estro da porca.
  • O varrasco circula livremente pela frente de toda a banda de porcas que espera a IA. Constata-se nervosismo das porcas (gritos, salivação, mordedura das barras).
Cobrição: porcas em controle de repetições na passada semana:
  • As porcas apresentam um bom estado, sem lesões ou anomalias que possam explicar claramente os retornos.
  • Alguns restos de crosta na vulva, mas o fluxo já não é visível.
  • As primíparas foram tratadas com uma quinolona durante 3 días mediante injectáveis e voltaram a ser inseminadas.
Varrascos


Para entrar na zona onde estão os varrascos (5 animais) existe um sistema de biosegurança e o veterinário deve-se mudar de bata, sapatos, colocar um gorro e lavar as mãos (sem antiséptico). No pavilhão estão os varrascos assim como o laboratório, longe de outros animais da exploração. O objectivo é manter um estatuto especial, em particular, para o vírus do PRRS (varrascos livres e não vacinados).

O estatuto para o PRRS controla-se cada 3 meses mediante PCR em amostras de sémen e 1 vez por ano mediante serologia.
  • Estado geral dos varrascos em produção: bom estado corporal (em liberdade), ausência de lesões e de anomalias particulares.
  • Verificação do plano profilático: última vacinação de rappel há 2 meses (Parvovirose + Mal rubro).
  • Presença de um varrasco jovem desde há 2 meses (4 varrascos em produção). O suinicultor comenta que o varrasco tossiu durante os 15 dias posteriores à sua entrada mas aparentemente sem complicações.
  • Controle da recolha de sémen e do exame posterior: não se constatam anomalias durante a recolha de sémen (recolha da fracção total) e utilização do sémen fresco entre 24 a 48 h após a sua recolha salvo para as IA realizadas na 2ª feira pela manhã (doses recolhidas na 6ª feira).
  • Verificação do material de laboratório: em bom estado.
Quarentena: primíparas presentes desde há 3 semanas
  • As primíparas encontram-se em fase de adaptação mediante vacinação e contaminação (excrementos, placentas e eventuais diarreias dos leitões) todas as semanas (1 vez/semana).
  • O maneio da quarentena é feito em duas salas, normalmente vazias, lavadas e desinfectadas entre lotes se bem que, por uma falta de tempo, a limpeza é parcial desde há alguns meses (sem vazar as fossas debaixo da slat e sem limpeza das paredes).


Exames complementares e Primeiras medidas




Após a visita, o veterinário decide realizar vários exames e iniciar algumas medidas para tentar compreender o problema.

1) Adiantar o control do PRRS: recolha de amostras de sangue e envio de uma dose de sémen.
2) Realizar um controlo de amostras de urina ao efectivo de reprodutores focalizado nas porcas que se encontrem no último terço da gestação (mínimo de 50 porcas) tendo em conta os problemas e nitritos.
3) Melhorar a higiene na cobrição mediante:

  • Limpeza após cada deslocamento de uma banda,
  • diminuir o nível dos efluentes,
  • esfregar duas vezes por dia e incorporar secante nas porcas em IA,
  • limpeza completa da vulva com uma solução à base de clorexidina e secar bem a vulva,
  • não tocar na vulva com a embalagem da sonda de inseminação,
  • não deixar circular o varrasco diante das porcas durante a IA para evitar o nervosismo das porcas.

4) Retomar as regras de higiene na quarentena com um restabelecimento completo em cada lote.
5) no processo de espera: tratamento oral com ácido oxolínico durante 5 dias após o desmame.

O veterinário decide visitar a exploração ao cabo de 6 semanas para determinar os efeitos das medidas tomadas e a interpretação dos resultados.

Alguns resultados

A seguir apresentam-se os resultados das 6 bandas ecografadas após a última visita do veterinário:

Banda 3 : fertilidade ecografia 75%, 5 retornos dos quais 2 com descargas
Banda 4 : fertilidade ecografía 80%, 2 retornos dos quais 1 com descargas
Banda 5 : fertilidade ecografía 77%, 3 retornos com descargas
Banda 6 : fertilidade ecografía 75%, 6 retornos dos quais 1 com descargas
Banda 7 : fertilidade ecografia 75%, 5 retornos dos quais 1 com descargas tratada preventivamente com ácido oxolínico
Banda 8 : fertilidade ecografia 68%, 5 retornos dos quais 3 com descargas tratada preventivamente com ácido oxolínico



Os exames deram os seguintes resultados:

  • Virus do PRRS nos varrascos: negativo (amostras de soro para serologia e PCR).
  • Controlo urinário: 60 amostras de urina no final da gestação: nitritos + =8 ; problemas = 10 (dos quais 8 nitritos +).
  • As medidas de higiene foram iniciadas.




Primeiras Conclusões




O tratamento preventivo não funciona ou é insuficiente.

A frequência das descargas purulentas (50% dos retornos) confirma a presença de metrites, confirmadas mediante o estudo da fertilidade dos retornos.

Das porcas repetidas ou vazias constata-se uma taxa de fertilidade de 30%: 2 retornos sobre 3, o que demonstra que a integridade do útero é um factor envolvido.
Para confirmar este ponto, decide-se abater 5 porcas multíparas e uma primípara com vários retornos (2 retornos).
Outro factor desconhecido são os possíveis gérmenes causantes: o veterinário recolhe amostras de hisopo cervicais (hisopo seco) em 2 primíparas no primeiro retorno e com descargas e numa multípara de 5º parto.




Resultado das Análises Complementares






Exame de 6 úteros e bexigas no matadouro:
- Bexigas: 1 com cistite crónica (multípara)
- Útero: presença de pus no corpo e cornos uterinos em 3 porcas e 1 primípara
- Ovários. normais com excepção de uma porca com quistos.

Análises hisopos:

- Presença de E. coli em dois hisopos.

Antibiograma para E. Coli

Antibióticos
Diâmetros
medidos (mm)
Diâmetros
críticos (mm)
C.M.I. calculados (mg/l)
C.M.I. críticos (mg/l)
Sen
sível
Inter
média
Resis
tente
Aminósidos
Neomicina
X
20
15-17
4.00
8-16
Apramicina
X
18
12-15
8.00
16-32
Gentamicina (10 UI)
X
24
14-16
0.25
4-8
Espectinomicina
X
21
20
>=64
64

Beta-lactâmicos

Aminopenicilinas

Amoxicilina
X
7
14-21
64.00
4-16

Beta-lactâmicos

de 1ª geração

Ceftiofur
X
27
17-21
0.25
2-8
Fluoroquinolonas
Marbofloxacina
X
31
15-18
0.06
1-2
Enrofloxacina
X
30
17-22
0.06
0.5-2
Fenicóis
Florfenicol
X
22
13-19
4.00
8-32
Polipéptidos
Colistina
X
17
15
<2
2

Quinolonas de

1ª geração

Flumequina
X
30
21-25
2.00
4-8
Ácido oxolínico
X
26
17-20
0.50
2-4

Sulfamidas e

associação

Trimetoprim
X
22
12-16
2.00
4-8
Trimetoprim + Sulfamidas
X
26
10-16
0.25
2-8
Tetraciclina
Oxitetraciclina
X
7
17-19
25.00
4-8

Tendo em consideração os resultados, decide-se continuar com o tratamento preventivo durante a IA:
→ Ácido oxolínico desde os 7 dias pós-desmame até ao final da IA,
→ Ácido oxolínico nas primíparas em IA,
→ Eliminação dos retornos com descargas.

Nova amostra 6 semanas mais tarde:

Banda 9 : fertilidade ecografia 70% , 6 retornos dos quais 1 com descargas
Banda 10 : fertilidade ecografia 78% dos quais 3 retornos
Banda 11 : fertilidade ecografia 76% dos quais 3 retornos
Banda 12 : fertilidade ecografia 82% dos quais 1 com descargas
Banda 13 : fertilidade ecografia 84% dos quais 2 retornos
Banda 14 : fertilidade ecografia 84%, 2 retornos dos quais 1 com descargas

Evolução e Conclusão




A tendência é para uma melhoria, com uma eliminação sistemática dos retornos com descargas, se bem que se constate ainda a presença de porcas durante a ecografia.

Ante este resultado, não satisfatório, decide-se centrar a investigação na inseminação e de forma particular sobre os varrascos. Para isso recolhem-se doses que são enviadas para o laboratório para realizar um espermograma. Enviam-se doses de sémen recolhidas na 6ª, 2ª e 3ª feiras de 4 varrascos e de doses já elaboradas mediante a utilização de BTS e de 200 mg de gentamicina/litro.

Número de varrasco
1
2
3
4
Tempo transcorrido desde a recolha de amostras (dias)
5
2 j
2 j
1
Quantidade (ml)
80
80
80
80
% vivos (objectivo> 70%)
30
60
65
85
Motilidade (0 a 5)
1
2
2,5
3,5
Acrossomas anormais % (objectivos< 20%)
50
5
7
5
Gotas proximais %
17
12
10
5
Gotas distais %
15
10
7
15
Flagelos torcidos %
15
3
5
3
Outras anomalias %
/
/
/
/
Nº espermatozóides ( 109)
1,8
2,2
2
2,5

Interpretação dos resultados:

Os varrascos 1, 2 e 3 dão resultados que não são correctos (em especial o N º 1). Segundo o suinicultor, estes resultados são contraditórios com os resultados das provas após a recolha do sémen e após a sua posterior diluição. Para completar a análise do sémen, solicita-se uma análise bacteriológico para os varrascos 1 e 2.

O resultado revela uma contaminação por Burkholderia cepacia com uma sensibilidade "específica" e muitas resistências, especialmente em relação à gentamicina. Esta contaminação das doses foi finalmente a causa da infertilidade, devido à progressiva deterioração dos espermatozóides durante o armazenamento.


Comentários




O presente caso trata de um problema de metrites aparecido numa exploração de 500 porcas com engorda parcial localizada numa zona de elevada densidade suína de França onde se desmama aos 21 dias de vida e as porcas são inseminadas com doses de sémen preparadas na própria exploração, que conta com 5 varrascos. Aos problemas de metrites, devidos em parte à falta de higiene que provoca um aumento das infecções (E. coli), soma-se um problema de infertilidade devido a uma contaminação do sémen por um gérmen resistente à gentamicina, Burkholderia cepacia.

Donde procede esta Burkholderia cepacia?

trata-se de um gérmen ambiental que pode encontrar-se com bastante facilidade num laboratório para a inseminação. Necessita humidade (lavatório, banheira, ...) e é relativamente resistente. As fontes de contaminação podem ser a água, quando esta armazena em recipientes que podem contaminar-se, o material em contacto com o sémen (vaso de recolha, termos, ...), o sistema de acondicionamento do sémen (garrafas, sistema de enchimento semi-automático, ...). O laboratório utiliza recipientes de vidro (amostra) e tubos de ensaio que se lavam e enxaguam com água destilada, mas são guardados numa estante perto da bancada de cozinha (sem esterilizador). Após a mudança para material descartável e desinfecção do laboratório, o problema da contaminação desapareceu e em consequência os problemas de reprodução. Atenção, quando enfrentamos um problema de metrites: o diagnóstico de laboratório das descargas deve tomar-se com cautela. É necessário multiplicar as pistas: → primeiro as condições higiénicas (maternidade e cobrição)
→ verificação no matadouro (orgãos genitais),
→ análise do método de IA e análise completa das doses.

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