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Caso clínico: Investigação de uma infecção por PRRSV

Há muitas formas de entrada de uma doença numa exploração. Neste caso, os mosquitos trouxeram o vírus do PRRS

4 Novembro 2003
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História da Exploração




A exploração Miranda (o nome é fictício) é uma exploração de 1800 porcas localizada no oeste do estado de Minesota nos E.U.A. Esta exploração recentemente foi despovoada para ser repovoada com animais negativos à PRRS e ao Mycoplasma hyopneumoniae para servir como exploração multiplicadora.

A exploração tem um sítio 1 que inclui as salas de gestação, cobrição, maternidade e baterias. O centro de inseminação também se encontra no mesmo local. As salas de maternidade e as baterias são de ventilação mecânica. As salas de gestação têm ventilação natural no verão mas mecânica no inverno. As engordas (sítios 3) estão localizados fora da exploração a 30 quilómetros de distância. Mesmo assim, a exploração tem uma unidade de quarentena / adaptação a 1 Km de distância. Na unidade de quarentena / adaptação era realizado um programa de cobrições e eram alojadas as fêmeas gestantes de vários estádios de gestação.

As suiniculturas mais próximas são as seguintes:

Noreste 5 Km Centro de inseminação
Este 8 Km Engorda de 1000 animais
Sudoeste 11 Km Engorda de 1000 animais


Quadro clínico



Os primeiros sinais clínicos observaram-se no dia 12 de Julho no sítio 1 quando se encontraram duas fêmeas com abortos no fim e duas fêmeas com todos os leitões nascidos mortos. A mortalidade pré-desmame aumentou ligeiramente, com algumas ninhadas apresentando diarreias e articulações inflamadas. Os leitões respondiam ao tratamento com antibióticos. No dia 14 de Julho houve 10 porcas que deixaram de comer e as diarreias e os problemas de artrites deixaram de responder ao tratamento de antibióticos.


Resultados produtivos
1 Julho 7 de Julho 14 de Julho 21 de Julho
Taxa de parto 91,4 88,3 80,8 75,4
Nascidos vivos/ninhada 10,8 10,7 10,5 9,7
% Nascidos mortos 6,3 11,2 8,8 13,3
% Mumificados
1,4 1,9 2,9 1,4




Diagnóstico




No dia 15 de Julho foram enviados leitões abortados para o laboratório de diagnóstico. Os resultados deste envio de tecidos não foram conclusivos pois não se identificou nenhum patógeno significativo pelo que se decidiu enviar mais amostras no dia 20.

No dia 20 foram enviados tecidos de leitões débeis recém nascidos para o laboratório de diagnóstico. No dia 24, também se enviaram amostras de sangue do sítio 1 (30 amostras) e no dia 27 do sítio quarentena / adaptação (30 amostras). Pediu-se ao laboratório que confirmasse ou descartasse a presença do vírus de PRRS.

Os resultados que se obtiveram foram os seguintes

  • Leitões débeis recém nascidos: Uma amostra positiva a PRRS mediante a técnica de PCR nos tecidos
  • Amostras sanguíneas sítio 1 com o teste serológico de IDEXX: 80% das amostras foram positivas
  • Amostras sanguíneas do sítio quarentena / adaptação: 2 animais ELISA positivos dos 30 analisados

Não existia nenhuma duvida de que a exploração estava infectada com o vírus de PRRS. Pediu-se ao laboratório que tentasse a sequenciação do genoma viral mas os resultados não estariam disponíveis antes de 3 semanas.

Antes dos resultados mencionados, a exploração efectuava monitorizações mensais a PRRS com os seguintes resultados:

Exploração Miranda
Data Teste positivos / total
3 de Abril

PRRS ELISA 0/77
5 de Maio PRRS ELISA 0/30
2 de Junho PRRS ELISA 0/30
10 de Junho Tecidos - PRRS PCR negativo
30 de Junho PRRS ELISA 0/30
30 de Junho PRRS PCR 0/30
sinais clínicos
15 de Julho Abortos - PRRS PCR negativos
21 de Julho Tecidos - PRRS PCR 1 positivo
24 de Julho PRRS ELISA 41/51
30 de Julho Semen PRRS PCR 1 positivo
Exploração Quarentena
Data Teste positivos / total
5 de Maio
PRRS ELISA 0/30
2 de Junho PRRS ELISA 2/30 IFA negativos
9 de Junho PRRS ELISA 2/30 IFA negativos
16 de Junho PRRS ELISA 0/30
30 de Junho PRRS ELISA 0/30
1 de Julho PRRS ELISA 3/32 IFA negativos
sinais clínicos
28 de Julho PRRS ELISA 2/30 1 IFA positivo


A mortalidade pré-desmame continuou a aumentar e a seguir também aumentaram os mumificados e os abortos. A mortalidade no desmame baixou dramaticamente na terceira semana de Julho.





Estratégias de controle




A confirmação da infecção do vírus de PRRS na exploração foi como um "balde de água fria" para o dono pois a exploração tinha acabado de ser repovoada e mais, quando se exigia que os animais tinham que ser negativos a PRRS para poderem ser vendidos como animais de reprodução.

O importante nesse momento era:

a) Avaliar as estratégias de controle a curto prazo para manter a produtividade
b) Avaliar as estratégias a médio prazo para determinar se o vírus de PRRS pode ser eliminado da exploração
c) Tentar averiguar a possível fonte de infecção


Estratégias de controle a curto prazo

As estratégias foram dirigidas para minimizar a mortalidade pré-desmame e post-desmame. Curiosamente, nesta exploração o surto foi bastante leve tendo-se recuperado bastante rápido os parâmetros produtivos. A julgar pelos sinais clínicos o vírus que infectou esta exploração não era um vírus altamente virulento.

Estratégias de controle a médio prazo

As estratégias de controle a médio prazo estavam dependentes de determinar a possível fonte da infecção baseando-nos na investigação que se descreve a seguir. Contudo, era claro que independentemente de se querer efectuar um programa de erradicação ou de decidir conviver com o vírus, era recomendável assegurar que todos os animais reprodutores presentes na exploração tivessem seroconvertido a fim de evitar a possível presença de sub-populações. Optou-se pela mistura de animais para espalhar o vírus em todas as áreas da exploração.


Origem da infecção




1. Animais utilizados para o repovoamento

As substituições provinham de duas fontes negativas a PRRS que eram monitorizadas de forma mensal com uma amostra representativa. O protocolo de amostragem nas explorações de origem indica um mínimo de 30 amostras por sítio com o objectivo de detectar, pelo menos, um animal positivo dada uma prevalência mínima de 10% com um grau de 95% de confiança. Estima-se que as explorações de origem apresentam uma frequência estimada de falsos positivos que oscila entre 0 e 3%. As explorações de origem permaneceram negativas até à data.

2. Protocolos para o despovoamento/ repovoamento

Antes do repovoamento, a exploração foi esvaziada por completo. O processo de esvaziamento finalizou em Fevereiro 2003 e foi seguido de um protocolo intensivo de limpeza, desinfecção e vazio sanitário de quatro semanas. A exploração foi inspeccionada depois da limpeza e considerou-se apta para receber os novos animais.

3. Protocolo de envio dos animais

Os primeiros grupos de primíparas foram enviados directamente para a exploração Miranda onde se começou um programa de maneio e adaptação de primíparas para as preparar para a cobrição. Em Maio e Junho foram enviados os restantes animais de substituição os quais foram enviados para uma unidade de quarentena / adaptação que estava localizada a 1 Km. da exploração Miranda. Esta unidade adaptou-se para realizar um projecto de cobrições e gestação dos animais por um período de dois meses antes de serem introduzidos na exploração. O sémen para o projecto de cobrições provinha da exploração Miranda.

O primeiro grupo de fêmeas gestantes que se introduziu na exploração Miranda foi transferido nos dias 26 e 27 de Junho.

4. Transporte

A exploração conta com um sistema de transporte interno que consiste no seguinte:

  • Transporte interno dedicado (innersactum trailer)
    Para mover animais de refugo desde a exploração para o camião dos refugos com transbordo
    Para mover animais desde a quarentena para a exploração Miranda
    Este trailer lava-se na mesma exploração e se fica estacionado na rua na própria exploração
  • Camião de refugo
    Propriedade da exploração
    Lava-se num centro de lavagem público
    Guarda-se na casa do dono da exploração
    Recebe os animais do innersactum trailer
    Os transbordos desde o innersactum trailer para o camião de refugo realizam-se a 500 metros da exploração Miranda

  • Não entra no recinto do sítio 1
  • Camião para as engordas
    Para mover animais desde as baterias para as engordas

  • Lavado num centro de lavagem à parte

4. Movimentos de animais

Recolha de animais de refugo:
  • 20 de Maio
  • 18 de Junho
  • 30 de Junho
Movimento de animais da unidade de quarentena para o sítio 1:
  • Junho 26
  • Junho 27

5. Visitantes

Foi verificado o livro de visitas. A única pessoa alheia ao sistema que entrou na exploração foi a pessoa que se encarrega do programa de controle de roedores e entrou no dia 23 de Junho, nos cinco dias anteriores à sua visita não tinha estado noutras explorações, contudo, não se sabia que exploração tinha visitado anteriormente.

6. Meteorologia

Não se tem informação detalhada sobre o clima durante a data estimada da infecção. Contudo, observou-se que no dia 3 de Julho houve uma tormenta e seguidamente observaram-se muitas fêmeas gestantes com picadelas de insectos.

7. Resultados de sequenciação viral

O produto de PCR detectado como positivo no dia 15 de Julho foi sequenciado. A zona sequenciada foi a ORF-5 (open reading frame 5). A ORF-5 codifica proteínas virais que se encontram na superfície do vírus (proteínas da membrana do vírus). Esta área considera-se uma das áreas mais variáveis do genoma e assume-se que se dois vírus são diferentes, as diferenças devem encontrar-se nesta área. Os resultados compararam-se com sequências disponíveis no laboratório de diagnóstico e possíveis sequências das explorações da zona. A seguinte tabela mostra as percentagens de homología com as estirpes referência do laboratório de diagnóstico. As vacinas 1, 2 e 3 são vacinas comerciais de PRRS utilizadas nos E.U.A. O resto, letras A,B, C, D, E, F, G, H e I, correspondem a isolamentos de campo do vírus de PRRS utilizados como referência e proporcionados pelo laboratório de diagnóstico. Estes vírus representam vírus com diferentes estruturas genómicas e de diferentes padrões de enzimas de restrição.





Conclusões




Quando se efectua uma investigação devido à entrada de uma doença nova numa exploração é sempre difícil averiguar como entrou, quando entrou e de onde é originária. No melhor dos casos podemos hipotetizar e descartar possibilidades de acordo com a informação disponível. No caso que se descreve, descartou-se o transporte, os visitantes e os animais de acordo com as datas em que moveram animais e com os resultados serológicos que se dispunham.

A infecção iniciou-se no sítio 1 e não no sítio da quarentena. Estimou-se que a infecção ocorreu muito provavelmente a princípios do mês de Julho ou nos finais do mês de Junho, provavelmente a princípios da primeira semana de Julho. Crê-se como muito provável que o vírus pudesse ter entrado via insectos já que coincidiu com uma explosão massiva de presença de moscas e mosquitos na exploração com lesões significativas nos animais.

O vírus era de origem vacinal com um padrão de restrição 2-5-2 e só 2.5% diferente da vacina comercial 3. Mesmo assim, encontrou-se um vírus de origem vacinal na mesma área geográfica onde está localizada a exploração Miranda e só 0.1% diferente do vírus da exploração Miranda (esta informação não se encontra disponível na tabela de percentagens de homología disponibilizada anteriormente). A exploração vizinha em questão, localizada na mesma área geográfica encontra-se a 30 Km da exploração Miranda. Ainda que não se possa garantir que o vírus seja originário desta exploração vizinha, os resultados da sequenciação apoiam a possibilidade de que a infecção possa ser transmitida pelos insectos. Certamente se descartou a possibilidade de que os animais e o transporte tivessem um papel significativo.

Os sinais clínicos nesta exploração foram bastante leves com uma mortalidade muito baixa nas baterias ao fim de 3 semanas após se ter detectado a infecção. Tampouco se observaram abortos massivos. O número de nascidos vivos também está a recuperar rapidamente.

A unidade de quarentena infectou-se depois da exploração Miranda e via sémen. O sémen era recolhido diariamente e era levado para a unidade de quarentena. Curiosamente, a primípara que deu positiva a IFA tinha sido inseminada com o sémen do macho que posteriormente foi positivo a PCR.

A exploração Miranda já foi submetida a um programa de erradicação baseado no encerramento temporário da entrada de animais de substituição. Também se efectuou uma revisão das medidas de biosegurança e coloca-se a possibilidade de reformar as salas de gestação, passando de ventilação natural para ventilação mecânica. Também se vai implementar um programa de control de insectos.


Comentários



Este caso relata os passos que se seguiram a fim de se efectuar uma investigação numa exploração que apresentava sinais clínicos de doença num momento em que não se sabiam as causas. Neste caso concreto a infecção foi causada pelo vírus de PRRS. É de ressaltar que os sinais clínicos apresentados na exploração não foram os típicos de um surto agudo e não foram tão severos como se observaram noutras explorações pelo que o diagnóstico clínico teve que ser apoiado pelo diagnóstico laboratorial.

A infecção nesta exploração supunha uma perda de estatuto sanitário importante pois a exploração tinha que ser negativa a PRRS para poder vender animais de reprodução. Justamente, esta exploração tinha sido repovoada recentemente a fim de servir como exploração multiplicadora. Esta infecção foi uma decepção múltipla para os proprietários pois agora a exploração tinha-se infectado e ainda por cima não podiam vender animais para reprodução.

A fim de avaliar se a exploração serviria no futuro como fins comerciais ou como exploração multiplicadora era importante determinar as possíveis fontes de como se infectou a exploração.

Costuma sempre ser difícil determinar a fonte de infecção de uma exploração a não ser que se confirme que a origem são os animais ou o sémen. Neste caso descartou-se o transporte, os animais e as pessoas pois o momento em que os movimentos foram efectuados não condiziam com os diagnósticos e com o tempo estimado de quando se produziu a infecção. Foi curioso observar o aparecimento de sinais clínicos justamente uns dias depois de se ter observado uma explosão massiva de insectos na exploração. Os animais nas áreas de gestação estavam muito picados e afectados. Mesmo assim, o facto que os resultados de sequenciação confirmassem que o vírus era muito similar a um vírus vacinal isolado na mesma zona geográfica reforçou a hipótese de que a entrada do vírus pudesse ser via insectos.

Como se mencionou anteriormente os sinais clínicos descritos foram leves comparados os observados noutras infecções, de novo reforçando a ideia que a infecção podia ser devida a um vírus vacinal parcialmente atenuado.

Referente à estratégia futura a seguir para a exploração, iniciou-se um programa de erradicação baseado no encerramento temporário da exploração. Contudo, este problema supunha uma tremenda pressão económica para os proprietários e um programa de erradicação só podia ser possível se fosse de baixo custo.

O primeiro passo consistia em assegurar que todos os animais da exploração, inclusive os localizados na área de quarentena / adaptação, fossem expostos directa ou indirectamente ao vírus. Este passo era recomendável inclusive se só se pretendesse controlar a infecção sem planos de erradicação. Era importante assegurar que todos os animais seroconvertessem a fim de minimizar o desenvolvimento de sub-populações. Numa serologia efectuada a meados de Setembro confirmou-se que mais de 90% dos animais tinham seroconvertido.

Esta exploração está numas condições imunológicas ideais para que se erradique o vírus. Com efeito, se se finalizam os detalhes do programa, estima-se que se possa iniciar um programa de cobrições fora da exploração em Janeiro de forma que animais negativos entrem na exploração em Maio do ano que entra. Para essas datas, estima-se que já não venha a existir vírus activo na exploração Miranda.

É importante que num caso como o descrito, se avalie todo o programa de biosegurança a fim de prevenir possíveis futuras re-infecções. Neste caso em concreto colocou-se a possibilidade de ter um programa de controle de insectos mais rigoroso. De qualquer modo não nos podemos esquecer do programa de transporte, lavagem dos camiões, pessoal, animais, etc...

Também é importante ressaltar que a investigação da origem de uma infecção é uma investigação aproximada mas não conclusiva, pelo que não se pode ignorar o facto de que é difícil ter toda a informação. Mesmo assim, as investigações são retrospectivas e é difícil que os empregados se recordem de tudo o que se passou, pelo que se recomenda ter à mão arquivos de todas as actividades significativas e manter um diário das actividades significativas que se efectuam ou se se observam actividades anormais. Actividades como a movimentação de animas de refugo, quando se introduzem animais de substituição, quando se enviam animais para o matadouro, etc, etc.. têm que se apontar para poder ser auditados no futuro no caso de ser necessário.

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