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Caso clínico: Diarreia neo-natal atípica

As diarreias são muito debilitantes para os leitões. Nesta exploração as diarreias foram provocadas por Enterococcus hirae

5 Novembro 2007
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Descrição da Exploração



A nossa exploração encontra-se situada numa zona de França com alta densidade suína. A exploração, de ciclo fechado, conta com 270 porcas com maneio mn 7 bandas e com desmame aos 28 dias de vida.

Mantêm-se as seguintes normas de biosegurança:

  • Vedação perimetral
  • Controle rigoroso das entradas
  • A exploração dispõe de roupa e calçado para o pessoal externo
  • As primíparas procedem de um multiplicador único e controlado (indemne de Aujeszky, PRRS, rinite atrófica e Actinobacillus pleuropneumoniae
  • Zona de quarentena situada num extremo da exploração onde as primíparas permanecem durante 6 semanas após a sua chegada

A exploração encontra-se distribuída da seguinte forma:



Estatuto sanitário

O estatuto sanitário considera-se bom. A exploração é indemne à doença de Aujeszky e à PRRS.

Resultados técnicos

Fertilidade mediante ecografia
93,5%
Nascidos totais/ninhada
13,5
Nascidos vivos/ninhada
12,6
Desmamados/ninhada
11,1

Programa de vacinação

  • Primíparas na quarentena: Mal rubro, parvovirose, influenza, micoplasma e colibacilose
  • Primíparas gestantes: dose de rappel para colibacilose
  • Porcas na maternidade: dose de rappel para mal rubro e para parvovirose


Aparecimento do Caso



Após observar a presença de diarreias neonatais nos leitões procedentes de porcas primíparas, o suinicultor decide consultar o veterinário.

as diarreias iniciam-se durante o fim de semana, frequentemente no Domingo, ou seja, entre 3 a 4 dias depois do parto e debilitam muito os leitões.

O tratamento habitual utilizado pelo suinicultor (colistina via oral mais quinolonas mediante injecção) não deu resultados satisfatórios. Se bem que a mortalidade seja baixa, os leitões não recuperam totalmente ( tratam-se de leitões de baixo peso ao desmame).

O veterinário decide programar a visita para o dia de partos da banda seguinte. Durante a visita dois dos leitões com diarreia e não tratados são enviados ao laboratório para realizar um exame das lesões e uma análise bacteriológica.


Hipóteses



Neste estádio tão inicial colocam-se algumas hipóteses possíveis:

  • Colibacilose neonatal: é possível mas em qualquer caso devida a serotipos diferentes aos contidos na vacina utilizada nas primíparas: K 88, K 99, 987P
  • Diarreia devida a Clostridium perfringens: possível, se bem que o baixo índice de mortalidade em princípio não corresponderia a uma enterite necrótica
  • Diarreia por Clostridium difficile: possível já que a morbilidade é elevada e a mortalidade baixa
  • Diarreia devida a rotavirus: possível
  • Diarreia não específica devida a um problema de lactação ou a um consumo insuficiente de colostro nas primíparas: possível se bem que o suinicultor não tenha indicado nenhuma alteração no maneio nem no pessoal


Visita à Exploração



Visita à maternidade na 2ª feira seguinte ao parto

Durante a visita todas as ninhadas de porcas primíparas apresentam diarreia líquida e amarelada. Os leitões estão magros, desidratados e encolhidos. As outras ninhadas apresentam um estado normal.

1. Exame individual das primíparas

Examinam-se 8 primíparas observando:

  • Temperatura corporal: entre 39°C a 39,8°C
  • Ubre: observa-se uma mama ligeiramente congestionada na zona posterior
  • Comportamento: encontram-se calmas e com boa atitude maternal

2. Exame dos leitões

Política de adopções

As adopções realizam-se rapidamente após o parto:

  • Partos durante a noite: adopções e cuidados até às 14 h
  • Partos durante o dia: adopções e cuidados até às 17h

É de referir que no caso das primíparas os partos não são provocados e também que, em princípio, as adopções de leitões procedentes de primíparas só se realizam entre primíparas.

Adopções realizadas:

N° primípara

Nascidos
vivos
Leitões que permanecem com a mãe
"Exportados para"
"Importados de"
1
13
12
1 pequeno para a n°8
2
10
10
2 procedentes da n°8
3
14
12
2 pequenos para a n°8
4
10
10
3 procedentes da n°8
5
13
13
6
11
11
1 procedente da n°8
7
11
11
1 procedente da n°8
8
7
0
7 para as n°2, 4, 6 y 7
12 procedentes 1 da n°1, 2 da n°3 e 9 de porcas multiparas

Cuidado com os leitões

Após o parto realiza-se:

  • injecção com ferro dextrano
  • corte das caudas

É de notar que não se cortam dentes e que a tatuagem e a castração se realiza aos 5 dias de vida.

3. Outros

O suinicultor comenta que há vários meses os animais tiveram problemas de artrite durante 10-15 dias com alguns casos de mortalidade brusca. Nesse momento, a análise de um dos leitões, de 14 dias de vida, deu como resultado:

Aparelho circulatório e hemato-linfopoiético

  • Coração: líquido pericárdico com aspecto turvo
  • Baço: congestionado
  • Gânglios: congestionados

Aparelho respiratório

  • Pulmões: pleuresia

Aparelho digestivo

  • Fígado: congestionado
  • Intestino delgado: nada relevante

Cavidade abdominal

  • Peritonite

Aparelho locomotor:

  • Poliserosite

Bacteriologia:

  • Escherichia coli não serotipável presença de líquido cefaloraquidiano, de fígado, rim, e pleura
  • Negativo para Haemophilus parasuis e Streptococcus suis
Antibiograma

Antibióticos
Interpretação (*)
S
I
R
Aminósidos
Gentamicina (10 UI)
X
Epectinomicina
X
Apramicina
X
Neomicina
X
Betalactâmicos
Amoxicilina
X
Ceftiofur
X
Fluoroquinolonas
Enrofloxacina
X
Marbofloxacina
X
Polipéptidos
Colistina
X
Quinolonas de 1ª geração
Ácido oxolínico
X
Flumequina
X
Sulfamidas e associação
Trimetoprim-sulfa
X
Trimetoprim
X
Tetraciclinas
Oxitetraciclina
X
(*S : sensível – I : intermédia– R : resistente)

Visita à quarentena e ao circuito das primíparas até ao parto

Tendo em conta que o problema se encontrava circunscrito às primíparas, a hipótese de um problema de imunidade conduziu a examinar as diferentes etapas após a chegada destas à exploração.

1. Quarentena

  • Maneio tudo dentro-tudo fora
  • A quarentena não se encontra realmente isolada já que está situada num extremo da exploração e o suinicultor não toma nenhuma precaução em particular para entrar nela, coisa que realiza duas vezes por dia
  • A vacinação anticolibacilar realiza-se duas vezes com um intervalo de 3 semanas utilizando uma vacina que contém os serotipos K 88, K 99, 987P. Três semanas antes do parto realiza-se uma vacinação de rappel (3 injecções antes do primeiro parto)
  • Uma vez por semana o suinicultor distribui, dentro dos parques, placentas fetais para imunizar as primíparas

2. Cobrição

As primiparas reagrupam-se e alojam-se em jaulas para poder realizar a sincronização de cios e inseminar. Neste ponto, e devido ao contacto com o microbismo das porcas multíparas, o suinicultor não constata reacções particulares (tosse, retornos...).

3. Gestantes

Após o controle da gestação mediante ecografia às primíparas, estas são alojadas em grupos numa sala separada. Às vezes algumas porcas multíparas podem ocupar os lugares livres que existem.


Resultados das Análises



Análises de laboratório

As análises realizadas aos dois leitões de 4 dias de vida com diarreia que foram enviados para o laboratório deram os seguintes resultados:

Autópsia:

  • Intestino delgado: conteúdo muito líquido com as asas intestinales estendidas
  • Cego: conteúdo muito líquido
  • Intestino grosso: sem edema no mesocólon
  • Outros organos: nada relevante

Bacteriologia e outros:

Leitão n° 1
Leitão n°2
E. coli
+ (H -)
+ (H-)
Recontagens (UFC/g)
10 7
10 5
Serotipado (0138K81, 0139K82, 0141K85)
O141K85
-
Adesinas (K88, K99, 987P, F41, F107, Eae, AIDA)
-
-
Toxinas (Sta, Stb, LT, Vte, East 1)
Sta
-
Clostridium perfringens
-
-
Clostridium difficile
-
-
Rotavirus
-
-

Antibiograma para E. coli 0141K85 :

Antibióticos
Interpretação (*)
S
I
R
Aminósidos
Gentamicina (10 UI)
X
Espectinomicina
X
Apramicina
X
Neomicina
X
Betalactámicos
Amoxicilina
X
Ceftiofur
X
Fluoroquinolonas
Enrofloxacina
X
Marbofloxacina
X
Polipéptidos
Colistina
X
Quinolonas de 1ª geração
Ácido oxolínico
X
Flumequina
X
Sulfamidas e associação
Trimetoprim-sulfa
X
Trimetoprim
X
Tetraciclinas
Oxitetraciclina
X


Medidas Tomadas



Com todos estes resultados o diagnóstico é: Diarreia neonatal devida a E. coli

Tendo em conta, pois, o diagnóstico aconselha-se tomar as seguintes medidas:

1. Conselhos e medidas técnicas

  • Retardar os cuidados para primíparas e porcas como mínimo até 24 h após o parto com o objectivo de molestar o menos possível as porcas durante as primeiras horas após o parto.
  • Esperar 12h, e se é possível, melhor serão 24 h, antes de realizar as adopções.
    • No caso de ninhadas de maior tamanho (>13) bloquear várias vezes por dia os leitões de maior tamanho para poder permitir assim aos mais pequenos ingerir colostro.
    • No momento de realizar as adopções priorizar a retirada dos leitões de maior tamanho e deixar os mais pequenos com as suas mães.
  • Rever a contaminação na quarentena distribuindo uma vez por semana fezes de porcas de entre terceiro a quinto parto meisturadas com ração nos comedouros para nos assegurarmos que realmente se consomem.
  • À espera dos resultados do novo plano de contaminação na quarentena, recolher amostras de diarreias de leitões procedentes de primíparas (8 a 10 primíparas) e desfazê-las em água com um pouco de leite em pó (para torná-lo mais apetecível) e distribuí-lo entre as primíparas às 6 e 3 semanas antes do parto. .

2. Preparação de uma autovacina

Se as medidas anteriores não funcionam, então se preparará uma autovacina a partir de isolados de E. coli e se vacinarão as porcas às 6 e 3 semanas antes del parto.

3. Tratamento dos leitões doentes

Injecção com ceftiofur a partir do aparecimento das primeiras diarreias.

4. Medidas de higiene

Intensificar a desinfecção nas maternidades realizando uma dupla desinfecção do solo (slat de betão) e realizar uma análise bacteriológica da água de bebida à entrada na maternidade.


Evolução do Caso



O suinicultor decide implementar as medidas aconselhadas e segue o novo protocolo de adopções e cuidados em 3 bandas assim como o protocolo de contaminação das primíparas utilizando diarreia de leitões. Contudo, o problema persiste e o tratamento com ceftiofur não dá os resultados esperados, é por isso que se inicia o seguinte passo e põe em marcha a autovacinação.

3 meses após ter tomado as medidas necessárias e não obter bons resultados, o suinicultor decide chamar de novo o veterinário. Além do mais, a análise bacteriológica da água de bebida da maternidade mostrou uma contaminação bacteriológica dentro do circuito:

Parâmetros
Amostra 1
Coliformes totais
5 ger/100 ml
Coliformes fecais
3 ger/100 ml
Estreptococos fecais
1 ger/100 ml


Tentando encontrar a causa desta contaminação, o suinicultor dá-se conta da existência de um depósito exterior destinado a minimizar as variações de pressão que não nunca foi limpo. Para o suinicultor, a importante contaminação do depósito exterior é, sem nenhum tipo de dúvida, a causa dos problemas de forma que decide limpar o depósito e realizar um tratamento suplementar da água con peróxidos.

Na banda seguinte a melhoria é total, não aparecem diarreias em nenhuma das ninhadas das primíparas.

Contudo, na banda seguinte aparecem novamente diarreias nas ninhadas procedentes de primíparas. O suinicultor chama de novo o veterinário.


Nova visita à exploração

Durante a visita não se observa nenhum novo factor de risco.

Decide-se realizar de novo uma análise bacteriológica a dois novos leitões afectados por diarreia e completar a análise com uma histologia do intestino.

Resultados das análises

A autopsia não mostra lesões diferentes das já observadas nas autopsias realizadas anteriormente a dois leitões doentes.

O veterinário pede ao bacteriologista que realize um exame em profundidade. Os resultados obtidos são os seguintes:

Leitão
n° 1
  • E. coli no tipable >107 UFC/g
  • Isolamento de Enterococcus pertencente aos grupos E. durans/villorum/hirae
Leitão
n° 2
  • E. coli não tipável >105 UFC/g
  • Isolamento de Enterococcus pertencente aos grupos E. durans/villorum/hirae

O antibiograma de Enterococcus hirae é eloquente

Antibióticos
Interpretação (*)
S
I
R
Aminósidos
Gentamicina (10 UI)
X
Espectinomicina
X
Betalactâmicos
Amoxicilina
X
Ceftiofur
X
Fluoroquinolonas
Enrofloxacina
X
Marbofloxacina
X
Vários
Tiamutina
X
Quinolonas de 1ª geração
Flumequina
X
Macrólidos
Tilosina
X
Espiramicina
X
Tilmicosina
X
Macrólidos lincosamidas
Lincomicina
X
Sulfamidas e associação
Trimetoprim-sulfa
X
Fenicóis
Florfenicol
X
Tetraciclinas
Doxiciclina
X
Tetraciclina
X

O resultado histológico aporta também informação importante para este caso:

Cada uma das amostras examinou-se num plano de corte. Observaram-se as mesmas alterações para ambos leitões, sendo sempre mais severas no leitão nº 2.

As velosidades são curtas em algumas zonas e as glândulas de Lieberkühn alargadas e bordeadas por enteroblastos. O epitélio viloso apresenta algumas atrofias em zonas da região vilosa apical. Este epitélio encontra-se coberto por uma população bacteriana muito abundante no leitão nº 2 , sendo mais irregular no nº 1. Se bem que as bactérias mais abundantes são do tipo coccidias, no animal nº 1 apresentam-se associadas a bactérias de tipo bacilar mais tipicas. Observaram-se imagens raras de necrose enterocitária. Quando a densidade bacteriana é baixa, as vilosidades parecem mais longas.

x 40 aumentos
x 100 aumentos

Conclusão

Encontramo-nos na presença de uma lesão de enterite de origem bacteriana (cocci).



Diagnóstico



O diagnóstico definitivo é: diarreia neonatal devida a Enterococcus hirae

À luz destes resultados decide-se mudar o tratamento por amoxicilina injectável durante 3 dias.

A partir da instauração da amoxicilina o suinicultor constatou a eficácia do novo tratamento e conseguiu limitar o impacto das diarreias.

Nota do laboratório

A identificação bioquímica do género Enterococcus não permite diferenciar de forma exacta Enterococcus durans de E.hirae e E.villorum. As técnicas de biologia molecular permitem na actualidade identificar de forma mais precisa este grupo. Neste caso, identificou-se como Enterococcus hirae.


Comentários



Numa exploração de ciclo fechado de 270 porcas, situada numa zona com elevada densidade suína de França apareceram casos de diarreias em leitões procedentes de mães primíparas. As diarreias, que apareciam aos 3 a 4 dias após o parto, debilitavam muito os leitões.

Neste caso estas diarreias foram devidas a Enterococcus hirae.

As diarreias neonatais são frequentes e, em algumas explorações persistem apesar dos planos vacinais e os tratamentos efectuados.

Se bem que seja certo que neste caso, onde as diarreias afectam unicamente as ninhadas procedentes de primíparas, num princípio relacionavam-se com um problema de imunização desta subpopulação em particular, nem sempre é fácil de solucionar.

  • Contaminação na quarentena
  • Vacinação anticolibacilar
  • Vigilância do consumo de colostro

A realização de um exame histológico mostra-se muito interessante para estabelecer um diagnóstico.

Por outro lado, a prevalência das diarreias devidas a Enterococcus hirae/durans seguramente se encontra subestimada em França. No ano 2000, nos Estados Unidos, a prevalência de problemas de diarreias em leitões lactantes era de 12% para as explorações e de 5% para os leitões.



% Explorações positivas
% Leitões positivos
Rotavirus
42
36
Clostridium difficile
55
29
Sem diagnosticar
3
22
PRRS
15
10
Enterococcus durans
12
5
G.E.T.
6
3
E. Coli
9
3
Enterite necrótica devida a Clostridium
6
2
Fonte: M. Yaeger, American Association of Swine Veterinarians, 2001

È possível encontrar mais informação sobre alguns Enterococcus no artigo "Enterococcus villorum sp., an enteroadherent bacterium associated with diarhoea piglets", M. Vancanneyrt, C. Snauwaert, I. Cleenwerck, M. Baele publicado no International Journal of Systematic and Evolutionnary Microbiology (2001), 51, 393-400.

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