TwitterLinkedinWhatsAppTelegramTelegram
0

Caso clínico: Diarreia em leitões neo-natos numa exploração recém iniciada

As diarreiras neo-natais podem ter diversas causas. Neste caso o problema estava relacionado com edemas mamários das porcas por falta de ingestão de água

2 Janeiro 2006
TwitterLinkedinWhatsAppTelegramTelegram
0

Descrição da exploração e aparecimento do caso



Trata-se de uma exploração que começa do zero, com instalações novas e porcas novas. Dispõe de umas 450 porcas funcionando em bandas de 3 semanas (60 porcas por lote).

As salas de maternidade estão muito bem equipadas:

• Ambiente controlado.

• Placas de aquecimento.

• Solo de plástico.

• Alimentação automática.

• Comedouros das porcas amplos.

• Torneiras para dar água extra.

• ¡Inclusive se acidifica a água de bebida das porcas!

As porcas também estão muito bem “equipadas”:

• Sanidade: Livres PRRS, Aujeszky, App, Rinite, sarna.

• Cobrições sistema holandês: Mais de 8,5 meses de idade e mais de 150 Kg.

• Prolificidade: Mais de 12 nascidos vivos.

• Produção leiteira: Elevada capacidade para desmamar ninhadas numerosas (14 mamas no mínimo). Desmamam mais de 10 leitões sendo primíparas.

Quando parem as primeiras porcas, aparecem os típicos problemas de diarreias em leitões a partir dos 2-3 dias de vida de explorações que começam de novo, com 100% de primíparas. São diarreias que se controlam facilmente com um tratamento antibiótico.

Contudo, à medida que vão parindo lotes, parece que intercalando-se com este tipo de diarreias, aparece um problema mais grave em determinadas ninhadas:

• Leitões com uma forte diarreia e perda de condição corporal, observáveis ao primeiro ou segundo dia de vida.

• Porcas com edema mamário. Em algumas porcas o problema soluciona-se picando as porcas com oxitocina e anti-inflamatório. Noutras é necessário fazer uma troca de todos os leitões com uma porca de lactação já bem arrancada. Em geral estas porcas não chegam a ter febre, não têm descargas vaginais e não ficam postradas.

Este problema aumenta à medida que transcorrem os lotes e curiosamente observamos uma certa tendência a ver mais ninhadas afectadas nas porcas que parem no final do lote e também comprovamos que alguns lotes são mais afectados que outros.


Primeiras medidas tomadas



Em geral comprovamos que practicamente todas as ninhadas com diarreia, a porca apresenta um úbere duro. Por este motivo, desde um bom princípio se investiga entre as possíveis causas de edema mamário:

• Elevada condição corporal ao parto: Há algumas porcas pontuais com excessiva condição corporal ao parto. As porcas vêm de parques, em grupos de 6 porcas com sistema de alimentação de queda lenta. Este sistema resulta bastante efectivo, mas torna-se inevitável que determinadas porcas comam parte da ração das suas companheiras e engordem demasiado.

• Excessivo consumo de ração cerca do parto: Algumas porcas pontuais comem demasiada ração antes e depois de parir. Isto é devido a que o sistema de alimentação funciona com cadeia e o mesmo circuito alimenta as porcas que estão a parir e às do lote anterior. Como às que têm 21 dias de lactação se lhes administra ração 3 vezes por dia, por comodidade faz-se o mesmo no lote que se encontra cerca do parto (senão estes dosificadores se deveriam fechar todos os dias). Por este motivo também se decide oferecer às porcas que se encontram perto do parto, ração 3 vezes por dia. O problema está em que pequenos desajustes no dosificador multiplicam o erro por 3 ingestões de ração, o que está a levar a que algumas porcas comam demasiado já muito perto de parirem.

• Porcas com prisão de ventre: Há algumas porcas que defecam fezes duras perto do parto. Como que se torna muito difícil oferecer-lhes ração de gestação porque a linha é única, decide-se incorporar fibra extra sob a forma de polpa de beterraba 5 dias antes do parto.

• Falta de consumo de água: os bebedouros oferecem um bom caudal (uns 2 l/min); contudo as torneiras para oferecer água extra fornecem pouca água se se abrem muitas ao mesmo tempo. Este facto faz com que fornecer água depois das refeições não seja uma tarefa demasiado rápida. O suinicultor comenta-nos que desde o princípio este problema sempre tem estado presente e comprovamos que o diâmetro dos canos é escasso para oferecer um bom caudal.


• Uma possível causa mais remota é a falta de exercício, mas as porcas vêm de uma gestação em parques.

• Outra possível causa é um excessivo calor ambiental, mas a instalação dispõe de humidificadores e o problema sucede no inverno. A temperatura ambiente ronda os 20ºC.

São revistas todas estas possíveis falhas e em particular se incide na importância de fornecer água extra depois das refeições. Como as torneiras dão pouco caudal decide-se instalar uma mangueira com saída directa da instalação geral. A água não vêm acidificada, mas consegue-se acrescentar água extra a uma velocidade superior.

Em geral diminuem drasticamente os problemas durante os 2 seguintes lotes e torna-se evidente que na maternidade existia um problema de consumo de água.

Contudo, continuamos a notar que as porcas de final de lote costumam ter mais problemas. Ao cabo de três lotes, os edemas mamários voltam a aparecer e o problema parece pior que nunca. De 60 porcas paridas, praticamente uma terça parte apresenta edema mamário.


Revisão de pontos passados por alto



Como os problemas de úbere voltaram a aparecer e com maior intensidade, voltam-se a rever, um por um, os pontos contemplados nas visitas anteriores.

A maioria das possíveis falhas parecem estar corrigidos. Contudo, numa segunda revisão, apreciamos que os bebedouros têm suficiente pressão, mas estão colocados numa posição pouco acessível para a porca. Também vemos que o bico do bebedouro é bastante duro e na primeira vez que carregam para beber, este oferece pouco caudal. Torna-se necessário apertar o bebedouro ao máximo para que o caudal seja o óptimo. Devido à má posição do bebedouro, pensamos que pode haver porcas que têm dificuldades para beber.



Damos conta que alguns bebedouros pontuais têm muito pouco caudal. Este facto surpreende, porque em visitas anteriores não se tinha detectado nenhum. Também vemos que o caudal das torneiras cada vez é mais baixo. Enquanto que antes se podiam abrir umas 8 torneiras ao mesmo tempo, agora com 3 abertas já há uma donde praticamente não sai água.

Damos conta de que à medida que o problema aumenta, o fornecimento de água diminui e aqui está, precisamente, a chave para a resolução do caso...


Resolução do caso e medidas tomadas



Inicialmente pensámos que o motivo do baixo caudal era uma falta de pressão. Contudo este ponto já tinha sido revisto várias vezes e a presão era e continua a ser correcta.

Ao darmos conta de que os problemas de edemas de úbere aumentam à medida que o caudal de água é cada vez menor, aparece a resolução do caso: Há algo que está a obstruir as canalizações!

Recordamos que em instalações de transição (onde é mais frequente o uso de águas acidificadas) é frequente que periodicamente se obstruam os filtros devido à acumulação de uma espécie de pasta de cor esbranquiçada. Intui-se que o mesmo se pode estar a passar na maternidade, onde também se acidifica a água fornecida para garantir a sua qualidade e melhorar a digestibilidade das porcas.

Recompila-se mais informação acerca da proliferação deste tipo de “pasta branca”. Trata-se de um tipo de alga que prolifera em meios ácidos, em águas que não têem um tratamento adequado com cloro. A proliferação destas algas está a obstruir a instalação.

Este facto junto com a má posição dos bebedouros e ao escasso diâmetro dos canos fez com que a gravidade do problema fosse aumentando paulatinamente. Além do mais, a elevada capacidade leiteira das porcas acentuou ainda mais os defeitos da instalação.

Soluções aplicadas:

• Com o mesmo dosificador do ácido aplica-se uma solução de iodo à concentração de 1 litro para cada 600 l de água na presença de animais ou 1 litro para cada 300 l de água na ausência de animais. O iodo dissolve as algas e recupera-se o caudal inicial.

• Modifica-se a posição dos bebedouros, separando-os da parte lateral do comedouro e subindo-os. Também se altera toda a instalação de água, aumentando o diâmetro dos tubos.

Após estas medidas soluciona-se o problema, com o que evidenciamos que o problema de edemas mamários era devido a um consumo deficiente de água.


Comentários



Este caso ocorre numa exploração que começa do zero, com umas porcas de um elevado nível sanitário e potencial produtivo e numas instalações à priori ideais. Na procura desta instalação óptima, decidiu-se inclusivamente acidificar a água de bebida das porcas na maternidade para garantir a sua qualidade microbiológica.

O problema que aparece é de diarreias em leitões acabados de nascer e associa-se desde um primeiro momento com o aparecimento de edemas de úbere nas porcas. Este problema aumenta à medida que passam os lotes e curiosamente observa-se uma certa tendência a ver mais ninhadas afectadas nas porcas que parem no final do lote. Também se comprova que alguns lotes são mais afectados que outros.

Entre as distintas causas de edema mamário (porcas gordas ao parto / excessivo consumo de ração próximo ao parto / prisão de ventre / pouco consumo de água / falta de exercício / excessivo calor ambiental) detecta-se que o problema principal é de consumo de água.

Os diâmetros ds canos são escassos, os bebedouros estão colocados numa posição pouco acessível para a porca e com o passar do tempo cada vez há um menor caudal. A redução do caudal é devida à proliferação de um tipo de alga que cresce em meios ácidos e águas mal cloradas. Estas algas estão a obstruir a canalização.

Ao déficit das instalações também se unem pequenas falhas de maneio que contribuem para explicar alguns dos factos curiosos do caso:

• O facto de que se tenham visto mais afectadas as ninhadas do final do lote se intuiu que era devido a que no final do lote o tratador relaxava-se mais e já não prestaba tanta atenção para oferecer água extra depois das refeições.

• Também se intuiu que o motivo de que alguns lotes fossem mais afectados que outros era devido a que a exploração funciona em bandas de 3 semanas com 2 trabalhadores que trabalham em fins de semana alternados. Casualmente sempre havia mais problemas no fim de semana que coincidindo porcas recém paridas no fim de semana com um determinado trabalhador. Da maneira como se sucedem os partos nas explorações que trabalham em bandas de três semanas, isto sucedia a cada 6 semanas (um lote sim um lote não). Provavelmente um dos tratadores não prestaba tanta atenção a oferecer água extra depois das refeições, pelo que o problema de edemas mamários se acentuava.

Em definitivo, encontramo-nos com uma exploração com umas instalações que à priori pareciam ideais e que na prática não o foram. O facto de que as porcas tenham uma elevada capacidade leiteira, acentuou os defeitos da instalação e do maneio.
Damo-nos conta que em temas de instalações, nada é tão bom como à simples vista pode parecer e que parece mentira que ainda se cometam tantos erros no projecto e desenho das instalações. Tal como nesta exploração é muito provável que em muitas outras explorações se esteja a comprometer a produção leiteira da porca por um aporte limitado de água, que leve ao aparecimento de problemas pontuais de edemas mamários, baixo consumo de ração de porcas e menores pesos dos leitões ao desmame.

En definitivo, este caso demonstra-nos a importância que tem um elemento tão essencial como a água em qualquer tipo de exploração pecuária.

Comentários ao artigo

Este espaço não é uma zona de consultas aos autores dos artigos mas sim um local de discussão aberto a todos os utilizadores de 3tres3
Insere um novo comentário

Para fazeres comentários tens que ser utilizador registado da 3tres3 e fazer login