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Microbiota e produção suína: qual a nossa posição relativamente a intervenções no microbioma? - Parte 3

É de notar que na investigação microbiológica, a correlação não implica uma causalidade.

A ideia de manipular a microbiota em benefício dos seres humanos e dos animais não é novidade. O transplante de microbiota fecal foi utilizado para controlar a infecção por Clostridioides dificille em humanos em 1958, mas como podemos utilizar a modulação de microbiota (ou engenharia microbiológica) na produção de suínos?

A tentativa de modular a microbiota começa com a hipótese de disbiose (desequilíbrio das comunidades microbianas predisponentes de doenças). Ainda assim, também, não existe consenso na definição (ou em como definir) de uma microbiota sã. Tal como discutido em artigos anteriores, há muitas variações entre (e dentro de) indivíduos e esta é uma tarefa muito difícil. Sabemos, por exemplo, como é um porco com diarreia. Existe uma definição clínica rigorosa (aumento da frequência de defecação e do volume de fezes devido ao aumento do teor de água). Por mais simples que pareça, a ciência do microbioma está ainda na sua infância e falta ainda uma definição geral de uma microbiota saudável. Contudo, tem sido sugerido que o que distingue uma microbiota saudável não é a sua resposta às perturbações, mas a sua resiliência após as perturbações.

Como?

Figura 1 - Diagrama hipotético que representa a resposta da microbiota a uma perturbação. 1) Os indivíduos sãos têm um grau normal de variação da sua microbiota, que não conduz a doenças (isto é denominado eubiose). 2) Uma perturbação (por exemplo, o stress térmico) pode conduzir à instabilidade da microbiota, causando a doença. 3) A microbiota resiliente voltará a um estado parecido ao anterior à perturbação no qual não há doença. 4) A microbiota que não seja resiliente não se "recuperará", pelo que vai sofrer disbiose e doença.
Figura 1 - Diagrama hipotético que representa a resposta da microbiota a uma perturbação. 1) Os indivíduos sãos têm um grau normal de variação da sua microbiota, que não conduz a doenças (isto é denominado eubiose). 2) Uma perturbação (por exemplo, o stress térmico) pode conduzir à instabilidade da microbiota, causando a doença. 3) A microbiota resiliente voltará a um estado parecido ao anterior à perturbação no qual não há doença. 4) A microbiota que não seja resiliente não se "recuperará", pelo que vai sofrer disbiose e doença.

A figura 1 exemplifica-o graficamente. A resiliência da microbiota é a sua capacidade de reverter para um estado saudável, semelhante ao que existia antes da perturbação. As microbiota que não são resilientes tendem a permanecer em estados alterados, o que está associado à susceptibilidade à doença (por exemplo, infecções C. difficile em suínos e humanos). Portanto, a "modulação" ou "manipulação" da microbiota destina-se frequentemente a melhorar a resiliência da comunidade global da microbiota. Várias intervenções de modulação surgiram na indústria suinícola que visam a distribuição relativa de espécies/estirpes bacterianas, o número de bactérias, a sua actividade metabólica ou as suas interacções com o hospedeiro. Isto baseia-se largamente em ingredientes como prebióticos, probióticos e pós-bióticos na dieta. Outras tecnologias têm sido desenvolvidas em fases comerciais, tais como transplantes ou bacteriófagos. Dispomos de bases de dados que fornecem orientações sobre quais as estratégias que mostram provas da sua eficácia contra certas doenças humanas (por exemplo, http://www.probioticchart.ca). Infelizmente, não existe um equivalente (ainda) disponível para veterinária. Então, qual é a nossa posição na utilização de estratégias de modulação de microbiota na produção de suínos?

Primeiro, há dois aspectos importantes para responder a esta pergunta:

  1. As alterações pontuais na composição do microbioma ocorrem frequentemente de forma natural (por exemplo, devido a ciclos circadianos e situações de stress). Estas são normais e esperadas.
  2. As alterações de composição não têm significado sem efeitos causais.

Para alterar eficazmente a composição da microbiota é necessário um esforço significativo quer através de múltiplos estímulos (tratamentos diários durante um período de tempo) quer através de um único estímulo substancial (tratamento de altas doses). Além disso, o leitor deve notar que, na investigação microbiológica, a correlação não implica uma causalidade. É difícil ou impossível inferir a causalidade com base apenas em dados observacionais (estudos que descrevem alterações na composição microbiana intestinal após uma intervenção). Este tipo de estudo é a abordagem mais comum, provavelmente porque a metodologia utilizada está facilmente disponível hoje em dia. Embora estes estudos não devam ser ignorados, uma vez que fornecem dados de base importantes sobre a intervenção estudada, não fornecem dados para apoiar a causalidade. O padrão de ouro para tais dados são modelos simplificados (por exemplo, modelos de células ou ratos), nos quais muitos factores podem ser controlados ao mesmo tempo. Estes modelos são caros e morosos, pelo que muitas intervenções não são totalmente avaliadas, deixando a indústria com dados baseados apenas na correlação. Sugere-se que esta barreira pode ser a mais importante a ultrapassar antes de podermos libertar todo o poder da modulação da microbiota para o rendimento e saúde animal. Mas o futuro é brilhante para aqueles que estão dispostos a investir e explorar!

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