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Produção dos EUA transborda o mercado

EUA e Espanha têm vendas récord para a China, mas os lucros para o produtor são radicalmente diferentes... descubra porquê

Nos EUA está a ter início a temporada de reuniões estatais de produtores. Nesta época praticamente não são realizados trabalhos agrícolas, pelo que os produtores se reúnem para conhecer os últimos avanços e partilhar histórias. Um dos temas candentes deste ano são as amargas queixas sobre o porquê da margem bruta dos matadouros estar em níveis récord, ao passo que os produtores estão a sofrer perdas substanciais por cada animal vendido. Para quem lê os comentários mensais escritos pelo colega Guillem Burset a partir de Espanha, sabe que a situação é totalmente contrária: os preços do porco estão lá no alto e é a indústria transformadora quem está a passar mal. A que se deve esta diferença entre Espanha e os Estados Unidos?

Em primeiro lugar, nos EUA, há um sistema de relatórios oficiais obrigatórios para que os produtores possam ver qual o preço médio maiorista que a indústria processadora está a receber por cada corte. Estes preços por peça juntam-se num "preço carcaça maiorista" (no qual não participa o valor dos sub-produtos). Os produtores diminuem-lhe o preço carcaça que recebem para calcular a "margem bruta do transformador". Quase toda a gente sabe que a indústria transformadora ganha mais, devido a vários motivos, além de faltar o valor dos sub-produtos ("drop credit" em inglês, podemos falar disto mais à frente), mas serve como ponto de referência para comparações históricas.

O que muitos produtores americanos não sabem, ou não estão conscientes disso, é que os porcos que chegam aos matadouros romperam (uma vez atrás de outra…) o récord o número total e o número combinado com peso, que foi extremamente alto devido a uma ração relativamente barata. É uma combinação brutal. Os produtores desafiaram periodicamente a capacidade total da indústria transformadora do país para abater porcos, mesmo tendo aberto 3 mega matadouros durante os dois últimos anos. Quando isto acontece, mesmo que não houvesse taxas alfandegárias e a China suplicasse por carcaças, disposta a pagá-las a qualquer preço, os matadouros não tinham que pagar muito pelos porcos e a margem dispararia (ver gráfico). Quando isto acontece no quarto trimestre (que é o momento mais provável de a capacidade da indústria ser posta à prova com excesso de oferta), pode ser especialmente devastador para o preço dos porcos.

Dada a considerável procura temporária da China, a indústria transformadora pode aumentar substancialmente a margem ("mark up") da carne sem aumentar o preço do porco. Esta é a razão pela qual a sua margem bruta está a ser muito alta. Historicamente, a China tem sido um dos principais compradores de porco americano mas, mesmo com as actuais taxas alfandegárias, 2019 é ano récord para a exportação dos EUA para a China e a maioria são carcaças congeladas em vez de peças de baixa qualidade e sub-produtos. Isto significará um récord em toneladas e valor total. Portanto, inclusive com as vendas récord para a China, a produção ultrapassa o mercado.

Margem bruta dos transformadores de porco em 2019
Margem bruta dos transformadores de porco em 2019

Em Espanha, a produção suína também está a aumentar, mas a oferta não ultrapassa a capacidade de abate pelo que os matadouros, para se abastecerem, são obrigados a subir preços para levar mais porcos ao matadouro e para a China. Isto está a causar alguns problemas já que, por um lado obtêm um bom ganho com as exportações, mas não são capazes de aumentar muito o preço da carne de porco destinada ao consumo local. Em Espanha há diversos factores que travam um aumento demasiado rápido da produção, como a oposição de grupos ambientalistas, um movimento muito activo pelos direitos dos animais, assim como uma economia que não se recuperou completamente desde a recessão global de 2008. A estagnação dos lucros evita que a procura cresça localmente e bloqueia qualquer aumento de preços no mercado local ou intracomunitário. Manter a oferta abaixo da procura total, doméstica e de exportação, (e/ou da capacidade dos matadouros) é a chave para o lucro dos produtores. Como de momento a Espanha é o principal exportador para a China, a procura superou os porcos disponíveis. Serão prudentes ao não fazerem planos de expansão permanentes com base no aumento, temporário, de procura da China. Ao contrário do caso nos EUA.

Outro factor a ter em conta é que o armazenamento em frio nos EUA não se reduziu ao ritmo habitual durante a temporada estival e logo a seguir aumentou drasticamente em Setembro (contra a sazonalidade habitual). Quando há muitos porcos com destino às câmaras, desvincula-se temporariamente da matança actual e pode gerar grandes benefícios no meio da procura global actual, ao passo que os preços para o produtor continuam muito baixos.

Vários comentadores americanos acreditam que a grande oferta de porco está quase a terminar (na realidade não estão a arriscar muito dado que isto sucede todos os anos, normalmente no início de Janeiro). Também dizem que, no ano que vem, haverá muitos ganhos nos EUA. Eu não me fiaria muito, já que o USDA acaba de descer o preço previsto para o porco vivo em 2020 devido ao excesso de oferta. Independentemente de ser produtor ou matadouro, médico veterinário, ou membro de qualquer indústria auxiliar do sector suíno, esta temporada lembra-nos que as grandes coisas têm inícios humildes. Os meus melhores desejos para todos vós enquanto encerramos outro ano.

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