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Alterações climáticas e doenças animais II

Com as alterações climáticas não há sinais evidentes que as doenças tenham sido favorecidas

Pese os rios de tinta que se escreveram sobre a relação entre as alterações climáticas e as doenças, há muito poucas evidências de que o clima tenha favorecido doenças (Lafferty 2009). Por outro lado, é possível que se tenham produzido alterações que todavia não tenham sido detectadas. À medida que se implementem mais sistemas de informação capazes de avaliar alterações nos padrões de doença, distribuição de vectores e condições ambientais, podemos ficar surpreendidos pela quantidade de doenças directa ou indirectamente afectadas pelas alterações climáticas.

Alteração climática I

Importância relativa de vários factores ambientais e sociais sobre a emergência de doenças infecciosas, em cada uma das quatro principais transições históricas. Alteração climática II

Lingua AzulEntre as doenças animais, os peritos estão de acordo em que as alterações climáticas ajudam a explicar a recente disseminação da Lingua Azul observada na Europa desde 1998 (Purse et al., 2005). A Lingua Azul é uma doença devastadora que afecta os ruminantes e é causada por um vírus que se transmite especialmente pelas picaduras do género Culicoides. Pese a que durante o Século XX houve incursões ocasionais do vírus no sul da Europa, as alterações recentes na sua epidemiologia indicam que se disseminou pela Europa.

Desde 1998 que se detectaram várias estirpes e a recente distribuição pode atribuir-se às alterações registadas pelo clima. A sua disseminação está íntimamente relacionada com a expansão setentrional de Culicoides imicola, o principal vector do vírus da Lingua Azul em África e Ásia. Parece que o aumento da temperatura e as alterações na humidade na Europa permitiram a sua expansão e persistência durante o Verão. A década de 90 representou uma das mais quentes na Europa. As temperaturas aumentaram significativamente tendo como resultado Invernos com noites menos frias e menos dias com geada. A precipitação média anual e o número de dias húmidos aumentaram no Norte, mas diminuiram no Sul. Estas mudanças significativas no clima afectaram os vectores do vírus, causando a sua disseminação junto com a da doença. Além do mais, estas mesmas alterações permitiram que as estirpes Europeias de Culicoide spp see comportem como vectores concorrentes do vírus da Lingua Azul expandindo, deste modo, o risco de transmissão em mais zonas.

As importantes alterações na epidemiologia da Lingua Azul na Europa não parecem ser causadas por factores como as características do patógeno, distribuição ou movimento de hóspedes, nem pela circulação de novas estirpes mais virulentas. Outros factores como o uso da terra, sistemas de saúde animal ou alterações sócio-económicas tampouco parecem causas prováveis. Deste modo, as alterações na incidência de Lingua Azul relacionaram-se com as alterações climáticas regionais, incluindo os que afectam os seus vectores específicos, dando um argumento sólido ao papel das alterações climáticas (Purse et al., 2005). Principalmente este cenário indica que as alterações climáticas estão a afectar substancialmente a dinâmica hospedeiro-vector-patógeno de algumas doenças animais.

Outro exemplo de doença alterada pelas alterações climáticas é a Gripe Aviar (Gilbert et al., 2008). Pese a que todavia não se possa estabelecer uma relação directa, há especulações sobre como as alterações climáticas puderam afectar a ecologia do vírus da gripe aviar. As aves aquáticas de todo o mundo são reservatórios do vírus da Gripe A. As alterações climáticas podem alterar os padrões de migração das aves e afectar a população de aves aquáticas, modificando o ciclo de transmissão do vírus da gripe e a sua sobrevivência e persistência fora do hospedeiro. Deste modo as alterações na distribuição e nos padrões migratórios dos reservatórios de Gripe Aviar podem, por sua vez, afectar o risco de exposição ao vírus de aves domésticas e humanos.

Conclusões
Qualquer doença infecciosa que, directa ou indirectamente, responda a condições ambientais pode ser afectada pelas alterações climáticas. As que se transmitem por vectores são especialmente susceptíveis a alterações nas condições ambientais como temperatura, humidade ou demografia dos vectores. Contudo, pese a que haja poucas evidências de que as alterações climáticas sejam directamente responsáveis pelo aumento na incidência de doenças animais (sendo a Lingua Azul na Europa uma das excepções). As alterações climáticas eliminam as barreiras ecológicas e as restrições para a transmissão de patógenos e a estacionalidade das migrações. Devido à limitação nos sistemas de informação de doenças, podem ter-se produzido alterações que ainda não tenham sido detectadas. À medida que estes sistemas de informação possam detectar melhor as alterações nos padrões de doença, distribuição de vectores e condições ambientais, podemos ser surpreendidos pelo número de doenças que, directa ou indirectamente, são afectadas pelas alterações climáticas.

Contudo, centrar o foco só nas alterações climáticas seria o mesmo que tirar importância aos fenómenos sociais que podem ser mais susceptíveis a acções dirigidas a reduzir a incidência da doença. Outros factores como a alteração do habitat, presença de espécies invasoras, agricultura, viagens e migrações, resistência a fármacos e pesticidas, má nutrição, densidade populacional, serviços sanitários, pobreza e educação, podem afectar mais as doenças do que o clima. Frequentemente estes factores são, directa ou indirectamente, influenciados pelas alterações climáticas e, em muitos casos, coloca-se a pergunta: o que veio primeiro, a galinha ou o ovo? Não obstante o clima estar a mudar e o que já aprendemos das doenças com o tempo, é “sempre de esperar o inesperado”.

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